But i try..

But i try..

domingo, 21 de agosto de 2016

Vem buscar a tua ausência

Vem buscar a tua ausência.. antes que passe.
Melodia-me.
Atravessa o silêncio sem medo de escorregar na casca das palavras mais duras.
Segue em frente em legítima defesa do sonho.
Despenteia o sentimento.
Enfia um sorriso na boca, mesmo quando não houver beijos para receber.Vem amor.Vem buscar a tua ausência antes que passe.
Não acredites se um dia te disserem que é impossível transformar uma lágrima em poesia.
Alegria-te.
Deixa - me ser o poema. O abraço que te agarra por dentro. O beijo de ida e volta.
Porque não interessa quantas distâncias cabem dentro de um adeus.Não interessa quantos regressos tem uma despedida para sempre.Longe é voltar atrás.O que interessa é ser feliz, nem que seja por um pouco de eternidade. 

sábado, 20 de agosto de 2016

Por Não Estarem Distraídos


Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não.

 Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos.

 Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham.
 Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
 Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
 Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

[..] Solte as rédeas dos teus olhos



[…] e as pombas do meu quintal eram livres de voar, partiam para longos passeios, mas voltavam sempre, pois não era mais do que amor o que eu tinha e o que eu queria delas, e voavam para bem longe e eu as reconhecia nos telhados das casas mais distantes entre o bando de pombas desafetas; que eu acreditava um dia trazer também pro meu quintal […]

..o tempo, o tempo, esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível, demônio absoluto conferindo qualidade a todas as coisas, é ele ainda hoje e sempre quem decide e por isso a quem me curvo cheio de medo e erguido em suspense me perguntando qual o momento, o momento preciso da transposição? que instante, que instante terrível é esse que marca o salto? que massa de vento, que fundo de espaço concorrem para levar ao limite? o limite em que as coisas já desprovidas de vibração deixam de ser simplesmente vida na corrente do dia-a-dia para ser vida nos subterrâneos da memória;"

[..] Solte as rédeas dos teus olhos.
Raduan Nassar - Lavoura Arcaica

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Nós que acreditávamos tanto

[..] e acreditávamos que um dia seríamos grandes, embora aos poucos fossem nos bastando miúdas alegrias cotidianas que não repartíamos, medrosos que um ridicularizasse a modéstia do outro, pois queríamos ser épicos heróicos românticos descabelados suicidas, porque era duro lá fora fingir que éramos pessoas como as outras, mas nos cantos daquele quarto tínhamos força sangue esperma, talvez febre, feito tivéssemos malária e delirássemos juntos navegando na mesma alucinação que a matéria fria da guarda da cama não traz de volta, porque tudo passou e é inútil continuar aqui, procurando o que não vou achar, entre livros que não me atrevo a abrir para não encontrar seu nome, o nome que teve, e certificar-me de que a vida é exatamente esta, a minha, e que não a troquei por nenhuma outra, de sonho, de invento, de fantasia, embora ainda o escute a dizer que compreende que alguns outros devem ter sentido a mesma dor, e a suportaram, mas que esta dor é a dele, e não a suportaria, e saber que tudo isso se perdeu como o calor do chá de jasmins esquecido sobre o piano, e então.

  — Caio F.( O ovo Apunhalado pág.42 )