But i try..

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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Eu descobri





Descobri que sou sujeito. Não mais objeto das frases dos outros: cuide do menino, peça pro menino, bata no menino, chame o menino, abandone o menino. O menino cuida, o menino pede, o menino bate, o menino chama, o menino abandona. Agora tenho amor que sai de mim e vai ao outro: e não mais a espera inútil na soleira da porta por um sorriso que me salve. Não preciso ser salvo por ninguém, de ninguém, tenho meus próprios pés e com eles crio meus próprios passos na areia: a pegada que faço no chão é a minha pegada andando em direção ao futuro. Não a pegada se afundando no mesmo lugar, a pegada da espera, a pegada calcada pelo peso do corpo sozinho na esperança tola de aparecer alguém que me salve da minha falta de consciência de mim. Agora sou consciente de mim. Sei que existo e tenho um nome. Sei que posso andar daqui até lá. Sei que tenho desejos e anseios totalmente meus e não desejos e anseios de quem soprava em meus ouvidos os desejos e anseios que não puderam realizar e que tentavam através de meu corpo expiar a culpa de não terem sido. Não serei nada por ninguém. Serei o meu próprio ser, o ser que se movimenta e se constrói a partir de minha própria vontade. Quero e porque quero me individualizo: não tenho medo de ser ilha: a minha vida não tem que ser o cumprimento moral de uma deidade que cobra que eu seja puro e bom: só serei puro ou bom porque assim o quis, e não serei puro e nem bom pela mesma razão. Não serei castigado pelo ato de meu desejo: o desejo não cessa nunca no corpo: quando vivia só pelo desejo que não era meu, eu estava morto dentro de um corpo vivo. Tantos estão sepultados e se movimentam pelas praças sem saber que já partiram. Eu saí da cova escura antes que a terra me cobrisse e eu nada mais visse e nada mais pudesse querer. Vi a luz e sua imensa angústia. Mas uma angústia minha. Não posso realizar tudo que desejo? Não faz mal. Prefiro não ter aquilo que quero, do que ter tudo aquilo de que não preciso. Descobri que sou sujeito, embora isso não signifique que sou feliz: pelo contrário, há muito mais luta e desespero. Mas é um desespero meu, e uma luta minha. Me estraçalho pelas horas aflitas, mas aflito comigo: não contigo que me obrigava a gostar de azul quando eu amava era mesmo o amarelo. Agora tenho um gosto e se sofro por não ser aceito, me regozijo dentro de meus ossos e de meu sangue, pois dentro de meu corpo ainda que eu me sinta incompleto, é uma incompletude toda minha. Mesmo que em nenhum dia eu me encontre, é melhor a busca do que sou, do que o acomodar-se naquilo que quiseram que eu fosse. Ser eu é meu naufrágio, e adoro me afogar.

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